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25 de março de 2024

Milhares de quilômetros percorridos, mas um caminho melhor pela frente: cuidado transnacional ao aborto na América Latina

Latin America
Roseane Santos (sentada) e Rebeca Mendes, fundadora do Projeto Vivas | Foto: Esperança Dias

"Gravidez e aborto são questões centrais para o projeto de vida de uma mulher" Roseane Santos

Roseane Santos se identifica como muitas coisas: mãe, amiga, trabalhadora, estudante, cuidadora e, agora, ativista.  A história de Roseane reflete a de inúmeras outras pessoas em todo o mundo que não conseguem ter acesso a abortos seguros e legais, mas a dela tem uma reviravolta importante – ao se conectar com organizações e provedoras de serviços de saúde reprodutiva, Roseane conseguiu recuperar o controle de sua situação e criar uma vida em que agora é capaz de apoiar outras brasileiras que desejam fazer o mesmo.

Roseane nasceu no estado do Amazonas, no norte do Brasil. Ela acabou se mudando para São Paulo em busca de melhores oportunidades de trabalho. Nos anos seguintes à sua mudança, Roseane se casou e teve um filho, hoje com 7 anos de idade. Alguns anos após o nascimento do filho, Roseane se divorciou e, pouco tempo depois, ficou desempregada. Infelizmente, esses dois eventos que alteraram sua vida também coincidiram com o fato de Roseane descobrir que estava grávida novamente. Avaliando a situação, Roseane decidiu que a melhor opção para ela seria procurar um serviço de aborto.

O aborto é criminalizado no Brasil, exceto em casos de estupro, anencefalia ou risco de vida para a mãe. Como as circunstâncias de Roseane não se enquadravam em nenhuma das três exceções, ela procurou alternativas – mas as opções locais eram muito incertas e potencialmente arriscadas. Depois de algumas semanas, Roseane sentiu que havia esgotado todas as opções disponíveis no Brasil – ela tomou um chá de ervas recomendado por uma amiga, foi enganada por vendedores de medicamentos on-line e, quando nenhum deles funcionou, ela só sentiu mais dor e mais incerteza. Quando Roseane voltou ao médico para confirmar que ainda estava grávida, a equipe médica a maltratou por ter considerado fazer um aborto ilegal.

Frustrada e desesperada, Roseane recorreu às mídias sociais para tentar encontrar uma última oportunidade de cuidado. Finalmente, em uma descoberta aliviadora em sua jornada para ter acesso ao serviço adequado a sua necessidade de saúde, Roseane encontrou o Projeto Vivas – uma parceira da Fòs Feminista que apoia mulheres que buscam acesso ao aborto legal no Brasil e no exterior, fornecendo informações, referências e apoio financeiro e logístico para a viagem. O Projeto Vivas então a conectou à FUSA, uma parceira da Fòs Feminista na Argentina, onde ela fez um aborto seguro e legal.

 

 

Devido às suas experiências anteriores com golpistas on-line que vendiam medicamentos ineficazes, Roseane estava cética quando entrou em contato com o Projeto Vivas. Felizmente, uma membro da equipe de apoio do outro lado da Internet a ajudou a se sentir tranquila e confiante – essa pessoa era Rebeca Mendes, outra mulher brasileira que havia passado por uma situação quase idêntica alguns anos antes, quando teve de viajar para a Colômbia para fazer um aborto seguro e legal depois de ter o acesso negado por um tribunal brasileiro.

Roseane ficou surpresa e animada com a forma como foi recebida na FUSA em Buenos Aires, especialmente em comparação com os maus-tratos que sofreu no hospital no Brasil. A equipe atenciosa ouviu atentamente as perguntas e preocupações de Roseane, e tudo aconteceu exatamente como Rebeca havia lhe dito nas conversas que antecederam o procedimento. Ela saiu com um DIU, sentindo um profundo alívio e uma sensação de segurança. Em suas próprias palavras, Roseane descreveu sua jornada para receber atendimento ao aborto seguro como uma experiência que mudou sua vida, na qual ela aprendeu sobre empatia, o poder da comunidade e a importância de garantir que as mulheres possam decidir com segurança o que é melhor para elas de acordo com seus próprios princípios.

Inspirada por sua experiência na rede de assistência reprodutiva, Roseane tornou-se voluntária no Projeto Vivas e agora é trabalhadora da organização. Ela passa seu tempo cuidando do filho, estudando espanhol e fazendo faculdade à noite para se formar em direito.

“Quando as pessoas falam sobre aborto, geralmente pensam em alguém que está sendo promíscua ou que está se livrando de um fardo. Mas é apenas uma questão de responsabilidade”, disse Roseane. “Criar um filho é difícil, especialmente quando não se pode contar com uma boa saúde pública ou quando não se tem acesso a creches – as pessoas precisam entender isso.”

Como mulher negra, Roseane está cada vez mais ciente de que pessoas negras são mais vulneráveis a abortos inseguros e têm mais dificuldade de acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva no Brasil. É por isso que Roseane está convencida de que a interseccionalidade é essencial no trabalho que ela faz com o Projeto Vivas e no trabalho de inúmeras outras organizações de justiça reprodutiva em toda a rede de atendimento na América Latina. Sem considerar a justiça racial nessa e em outras lutas, as pessoas negras continuarão vulneráveis, inclusive seu filho.

O atual debate sobre descriminalização do aborto até 12 semanas que está ocorrendo no Supremo Tribunal Federal do Brasil traz a Roseane e a todo o movimento feminista uma imensa esperança para o futuro. Roseane se considera sortuda por ter encontrado apoio do Projeto Vivas, mas há milhares de mulheres e meninas que não têm acesso à Internet ou não podem viajar e não conseguem recuperar o controle de suas decisões. O Projeto Vivas e todas as outras parceiras da Fòs Feminista no Brasil acreditam que todas as mulheres, meninas e pessoas de gênero diverso têm o direito de ter acesso a abortos seguros e legais – e a história de Roseane ilustra a importância da liberdade de tomar decisões sobre o próprio corpo, porque gravidezes indesejadas e forçadas não devem impedir os planos de ninguém.

Esperança Dias

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